terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Facebook urbano-depressivo

16:54: o meu escritório é, por segundos, invadido por uma luz lomográfica. As vistas sobre as fachadas dos prédios dos anos 70 tornam-se mais decadentes do que nunca! Like? Unlike?

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

BOAS FESTAS!

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Samuel Beckett

"Quanto mais longe ele vai mais bem me faz. Não quero filosofias, panfletos, dogmas, credos, saídas, verdades, respostas, nada a preço de saldo. Ele é o escritor mais corajoso e implacável que aí anda e quanto mais me esfrega o nariz na merda mais reconhecido lhe fico. Não se põe a gozar com a minha cara, não está a levar-me à certa, ...não me vem com piscadelas de olho, não me oferece um remédio nem um caminho nem uma revelação, nem um balde cheio de migalhas, não me está a vender nada que não queira comprar, está-se borrifando para se eu compro ou não, não tem a mão sobre o coração. Bom, vou comprar-lhe a mercadoria toda, de fio a pavio, porque ele espreita debaixo de cada pedra e não deixa nenhum verme sozinho. Faz nascer um corpo de beleza. A sua obra é bela."

Disse Harold Pinter sobre Samuel Beckett. É assim quando as palavras de dois gigantes se encontram!

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Tecer a memória em "exercícios para o endurecimento de lágrimas"

amanhã vou afundar-me no outono
passar para além do reflexo do espelho
a palavra que se dissolve na respiração

onde está o coração? é como metáfora do
silêncio que ocupa o teu lugar

e eu estou no meio de um mapa de medos
a cruzar imagens para definir a estrutura da memória

Maria Sousa

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

domingo, 12 de dezembro de 2010

Des Hommes et des Dieux



"Somos como pássaros sobre um ramo, sem saber quando levantar voo."

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

I'm free! and Freedom tastes of reality!

Corpus Iuris

Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Thiago de Mello, Os Estatutos do Homem, Artº II

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Cool stuff

Foto: bookshelfporn. com

The Enlightenment Light

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Da inevitabilidade da poesia

A poesia é, de fato, o fruto
de um silêncio que sou eu, sois vós,
por isso tenho que baixar a voz
porque, se falo alto, não me escuto.

A poesia é, na verdade, uma
fala ao revés da fala,
como um silêncio que o poeta exuma
do pó, a voz que jaz embaixo
do falar e no falar se cala.
Por isso o poeta tem que falar baixo
baixo quase sem fala em suma
mesmo que não se ouça coisa alguma.


Ferreira Gullar, Falar

Words

I know nothing in the world that has as much power as a word. Sometimes I write one, and I look at it, until it begins to shine.

Emily Dickinson

O que se ouve por aí...

É mais fácil perdoar uma grande traição do que a sucessão de pequenas crueldades.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Da irresistibilidade do poema

A voz de uma só árvore desconhecida
de um só murmúrio no livro de todos os livros de ninguém
a voz extrema do princípio inacabado
a voz do acaso revelador e do desejo errante e sepultado
a voz que quer fugir de si e da pele viva do mundo
e da noite e da morte e do naufrágio da terra e da obstinação do mar
e de todos os homens num só homem solitário
a voz anónima de sempre e de nunca num só ponto
num grito inaudível num grito puro
com todo o sentido do silêncio e não sentido
a voz da cinza permanente a voz viva do fogo
a voz que quer fugir de todas as definições e conclusões
de todas as máscaras de todas as carapaças e pedregulhos
de todos os nomes
do meu e do teu
a voz nua sem corpo na voz nua do corpo
a voz submersa traída assassinada em todas as referências
a voz da apropriação e da propriedade de todas as coisas
a voz do silêncio e da cinza de todas as pretensões
a voz estranha e obstinante
a voz do género e do único adicionado
a voz inexprimível a voz do deserto
a voz da figura construída e desconstruída
a voz do meu corpo e do teu
a voz que quer viver
a voz impaciente que quer esquecer-se de que espera
e de que não pode esperar
a voz da criança que ascende para o sol num arco
a voz do fogo que quer perder-se no sono de uma chama
fugir sempre fugir partir sempre partir
extrair-me de ser e de querer ser
não ser ninguém nem de ninguém
lá onde me perco e me encontro entre o sol e o mar
lá no centro perdido lá na respiração da água do ar
na surpresa de ser nascente do poema
no encanto do encontro
lá num só ponto num só espaço.


António Ramos Rosa, Voz Anónima

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Findings...

Coimbra, 2010

Sort of a break!

Macrosabores

Coimbra, 2010

Quem disse que uma sopa de lentilhas não pode saber a mar?

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Mensagem

Bussaco, 2010

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
define com perfil e ser
este fulgor baço da terra
que é Portugal a entristecer –
brilho sem luz e sem arder,
como o que o fogo-fátuo encerra.


Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

Fernando Pessoa, Nevoeiro

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Noite de Amores Efémeros

Há um telefone que não toca, um comboio que não passa, um táxi que não aparece! Desvinculados do mundo, desenganados, solitários, seis personagens vivem três encontros efémeros como se fossem "eternos"!

Estreou "Noite de Amores Efémeros", textos de Paloma Pedrero, encenados por Sofia Lobo, no passado dia 13, no TCSB /Escola da Noite, em Coimbra, e poderá ser visto no dia 18 de Novembro e de 1 a 19 de Dezembro.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Dead Combo

Dead Combo com belíssimos arranjos, ontem, na OMT , em Coimbra!

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Se tens um jardim e uma biblioteca, então tens tudo o que precisas.

Cicero, Epistulae ad familiares

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Insónia

Não durmo, nem espero dormir.
Nem na morte espero dormir.

Espera-me uma insónia da largura dos astros,
E um bocejo inútil do comprimento do mundo.

Não durmo; não posso ler quando acordo de noite,
Não posso escrever quando acordo de noite,
Não posso pensar quando acordo de noite —
Meu Deus, nem posso sonhar quando acordo de noite!

Ah, o ópio de ser outra pessoa qualquer!
....

Álvaro de Campos

domingo, 7 de novembro de 2010

O que se ouve por aí...

kafka não foi um escritor. Kafka foi um personagem inspirador de alguns dos mais belos textos em prosa. Kafka não teve direito a uma vida, porque se subjugou ao seu próprio alter ego.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Numa aresta da cidade, eu vi a tua face Severa, sem os panos de um sorriso: bela de tão Nua.
O silêncio, essa Lâmina impossível, mostra-me a tua face serena, sem o disfarce de um Grito: pura de tão Bela.
Mas ao passar rente a ti, muito para além de Beleza, muito para aquém da Verdade, há dois fogos que se ateiam em duas fendas medonhas: queimam-me teus olhos tão Aflitos!

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Sobreviver

Conimbriga, 2010

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Em defesa da cidade

É possível ver na cidade, com o mesmo olhar de Bataille, uma alegoria fúnebre: prédios, edifícios vários, monumentos, todos terrivelmente vazios, à espera de serem habitados…Mas é também possível admitir que muitos de nós se revêem e se encontram nas labirínticas e imensuráveis babilónias, onde o espaço, sempre provisório e reconstruído, é cada vez mais identificado pelo comportamento dos utilizadores e, cada vez menos, por uma qualquer descodificação de planos.
A cidade que eu habito não é dos políticos e dos urbanistas que tomam decisões sobre ela… é minha. É de todos os que a usam e, de uma forma muito particular, dos boémios, dos dandies, dos sem-abrigo, dos que se demoram a regressar a casa, de todos aqueles que lhe reconhecem os recantos sob várias luzes, lhe descobrem as fissuras, os contrastes, as descontinuidades, a segmentação. Lhe desvendam a polissemia dos sentidos e a polifonia das linguagens.
Walter Benjamin acreditava que o progresso faria desaparecer aquele que mais ludicamente usa a cidade: o flâneur. Como Hessel, eu não creio que tal seja possível! Há-os em todas as cidades, basta reconhecer-lhes o olhar e o andar: o flâneur é um fotógrafo, mesmo sem câmara, é aquele, que entre nós, regista imagens, ideias, sentimentos, atitudes, é aquele para quem a rua é um lar, um refúgio, onde nada de mal pode acontecer, é aquele para quem as fachadas das casas são olhos solitários que observam os passantes, olhos onde todo um mundo se aconchega. Flâneurs são os nativos de uma cidade que um dia decidem olhar para ela como se fossem estrangeiros, exploradores, viajantes… que, misturando-se com a multidão anónima , escrevem percursos porque… só na cidade “ os corpos passeiam como movimentos de escrita”!

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Doris Lessing faz 91 anos!

"Vocês estão num processo de endoutrinação. Nós ainda não conseguimos desenvolver um sistema de educação que não seja um sistema de endoutrinação. Pedimos desculpa, mas é o melhor que podemos fazer.

Aqui, o que vos estão a ensinar é uma amálgama dos preconceitos da época e de escolhas da nossa cultura actual. A mais pequena olhadelha à história mostra como são impermanentes. Vocês estão a ser ensinados por pessoas que se acomodaram a um regime de pensamentos estabelecido pelos seus predecessores. É um sistema auto-perpetuante.

Os mais fortes e individualistas entre vós são incentivados a encontrar maneiras de se educarem a si próprios - de educarem o vosso próprio julgamento. Aqueles que aqui ficarem devem lembrar-se constantemente de que estão a ser moldados e padronizados para satisfazerem as necessidades específicas e asfixiantes desta sociedade."


Doris Lessing

Com o meu pedido de desculpas pela violência que pode ser educar e aprender, com uma enorme tristeza pela gratuitidade dessa violência, com uma imensa revolta por ser instrumento de perpetuação de uma sociedade agonizante.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

As casas, as rosas, os navios e a deriva

Falemos de casas, do sagaz exercício de um poder
tão firme e silencioso como só houve
no tempo mais antigo.
...

Falemos de casas como quem fala da sua alma,
Entre um incêndio,
Junto ao modelo das searas,
na aprendizagem da paciência de vê-las erguer
e morrer com um pouco, um pouco
de beleza.


Herberto Helder, Ou o Poema contínuo

O que se ouve por aí...

Todos os poemas de amor têm um pretexto, mas são poucos os que possuem um destinatário.

Inside your hours...

...
What happened that night, inside your hours,
Is as unknown as if it never happened.
What accumulation of your whole life,
Like effort unconscious, like birth
Pushing through the membrane of each slow second
Into the next, happened
Only as if it could not happen,
As if it was not happening. How often
Did the phone ring there in my empty room,
You hearing the ring in your receiver—-
At both ends the fading memory
Of a telephone ringing, in a brain
As if already dead. I count
How often you walked to the phone-booth
At the bottom of St George’s terrace.

...
At what position of the hands on my watch-face
Did your last attempt,
Already deeply past
My being able to hear it, shake the pillow
Of that empty bed? A last time
Lightly touch at my books, and my papers?
By the time I got there my phone was asleep.
The pillow innocent. My room slept,
Already filled with the snowlit morning light.
I lit my fire. I had got out my papers.
And I had started to write when the telephone
Jerked awake, in a jabbering alarm,
Remembering everything. It recovered in my hand.
Then a voice like a selected weapon
Or a measured injection,
Coolly delivered its four words
Deep into my ear: ‘Your wife is dead.’

Ted Hughes, Last Letter

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Teatro anatómico

Ted Hughes não se encontra entre os favoritos.
Ted Hughes não me diz nada.
Ted Hughes foi apenas um poeta casado com Sylvia Plath.
Ted Hughes foi projectado na História pelos suicidários que gravitaram à sua volta.
...
No entanto, desde ontem, só penso num poema seu, recentemente encontrado, versando sobre a última noite na vida de Sylvia Plath. Anseio pela sua leitura integral. Quero ver de que matéria é feita a alma de um poeta "in"-diferente.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Desassossegadamente

"Não há sossego - e, ai de mim!, nem sequer há desejo de o ter."

Fernando Pessoa, Livro do Desassossego

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Mainstream & Rebellion

Roll the dice




if you’re going to try, go all the way.
otherwise, don’t even start.

if you’re going to try, go all the way.
this could mean losing girlfriends,
wives, relatives, jobs and
maybe your mind.

go all the way.
it could mean not eating for 3 or 4 days.
it could mean freezing on a
park bench.
it could mean jail,
it could mean derision,
mockery,
isolation.
isolation is the gift,
all the others are a test of your endurance,



of how much you really want to
do it.
and you’ll do it
despite rejection and the worst odds
and it will be better than
anything else
you can imagine.

if you’re going to try, go all the way.
there is no other feeling like that.
you will be alone with the gods
and the nights will flame with
fire.

do it, do it, do it.
do it.

Charles Bukowski, Roll the dice

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Não fugir. Suster o peso da hora
Sem palavras minhas e sem os sonhos,
Fáceis, e sem as outras falsidades.
...

Não vergar. Suster o peso da hora
Até soltar sua canção intacta.

Cristovam Pavia

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Morning is due to all _
To some _ the Night _
To an imperial few _
The Auroral light.

Emily Dickinson

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Finalmente...o mundo descobriu Clarice Lispector!

Dá-me
a tua mão:
Vou agora te contar
como entrei no inexpressivo
que sempre foi a minha busca cega e secreta.
De como entrei
naquilo que existe entre o número um e o número dois,
de como vi a linha de mistério e fogo,
e que é linha sub-reptícia.

Entre duas notas de música existe uma nota,
entre dois fatos existe um fato,
entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam
existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir
– nos interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e fogo
que é a respiração do mundo,
e a respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio.

Clarice Lispector, Dá-me a tua mão

Este cinema

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

O que se ouve por aí...

Pessoa inventou saídas de portas pintadas em paredes de coisa nenhuma ... disse-o Eduardo Lourenço.

domingo, 19 de setembro de 2010

Manucure, Serradura, Recreio, Quase...

Coimbra, 2010

No Centro Cultural D.Dinis, Adriana Campos, Mariana Nunes e Leonor Barata disseram com a voz e com o corpo Mário de Sá Carneiro e Fernando Pessoa. Disseram assim:

A minha vida sentou-se
E não há quem a levante,
Que desde o Poente ao Levante
A minha vida fartou-se.

E ei-la, a mona, lá está,
Estendida, a perna traçada,
No infindável sofá
Da minha Alma estofada.

Pois é assim: a minha Alma
Outrora a sonhar de Rússias,
Espapaçou-se de calma,
E hoje sonha só pelúcias


Mário de Sá Carneiro, Serradura

sábado, 18 de setembro de 2010

MULHER MUNDO

Há duas naturezas diferentes a lutar dentro de mim. Uma é a mulher… a outra o ser humano. É um conflito doloroso. Tenho que tomar uma decisão, escolher uma ou outra. Sei que terei de sufocar a mulher, mas muitas vezes é impossível.” (Nina Lugovskaia, Eu quero viver )

Ontem no TCSB - Escola da Noite, MULHER MIM , por Rafaela Santos, porque o teatro é uma luz na Noite Pálida de Coimbra e porque as mulheres continuam a espantar-se com o facto de serem mulheres.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Noites Brancas

Foto: Escola da Noite


Noites Brancas de Dostoiévski, pelo Chão Concreto, ontem no TCSB: um "ensaio sobre a solidão" ou um "solilóquio dialogante" lê-se no texto de apresentação. Gostei! Gostei sobretudo da dramaturgia de uma certa "incomunicabilidade" e que é, afinal, a raíz do solipsismo de todos os Sonhadores!

Style

Style is the answer to everything.
A fresh way to approach a dull or dangerous thing
To do a dull thing with style is preferable to doing a dangerous thing without it
To do a dangerous thing with style is what I call art

Bullfighting can be an art
Boxing can be an art
Loving can be an art
Opening a can of sardines can be an art

Not many have style
Not many can keep style
I have seen dogs with more style than men,
although not many dogs have style.
Cats have it with abundance.

When Hemingway put his brains to the wall with a shotgun,
that was style.
Or sometimes people give you style
Joan of Arc had style
John the Baptist
Jesus
Socrates
Caesar
García Lorca.
...


Charles Bukowski

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Charles Bukowski "Bluebird"

Wall 5

Praga, 2010

Look what they've done to Lennon wall!

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

A realidade é a mais estranha das fantasias

Pedro Paixão, imagens proibidas

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Leituras cruzadas

"Foi aí, de repente, que me chegou a resposta à minha angustiante dúvida: o que eu sou é o que faço da vida que me é dada, apesar dela, ignorando o que ela é; entre mim e o mistério de tudo não há ninguém...Em vez de virar para a direita, virei para a esquerda: para a saída que me levaria directamente à estrada que passa pela minha terra. A vontade é mais poderosa do que o destino. Deve ser assim. Tem de ser assim. "


Pedro Paixão, imagens proibidas

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Zlatá ulièka ("Golden Lane" em obras)

Praga, 2010

"Um dia de Verão, fui com Ottla procurar casa; embora já não acreditasse na possibilidade dum sossego verdadeiro, pelo menos fui à procura dele… E nada, a bem dizer, não encontrámos nada. Mas depois, mais para nosso divertimento, perguntámos naquela minúscula ruela. E responderam-nos que sim, que haveria uma casa para alugar a partir de Novembro. Ottla, que também busca o sossego, mesmo que seja à maneira dela, apaixonou-se pela ideia de alugar a casa…"

Franz Kafka

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Um dia vulgar

Num dia como hoje, o olhar esquece que é visto e demora-se nas Fachadas de todas as Outras casas.
Num dia como hoje, há uma imagem vazia no forro da Consciência.
Num dia como hoje, uma mão Antiga, amiga, já cansada de esperar, toca de Leve no ombro, e lembra que há que andar.
Num dia como hoje, volta-se então a cabeça, muito, muito Devagar. A boca fria e imóvel, não lhe apetece falar.
Num dia como hoje, só os olhos se sorriem e Agasalham a esperança que tudo há-de mudar.
Num dia como hoje, aceita-se a tal mão amiga, deixa-se de olhar as fachadas, vai-se devagar Rua acima,
...porque é um dia vulgar.

O que se ouve por aí...

Se o conhecimento é filho da experiência, então ele chega sempre tarde demais.

O capelão da prisão...em interpretação livre

Praga 2010

Estava quase a deixar a parte da igreja ocupada pelos bancos e a aproximar-se já do espaço livre que lhe faltava percorrer para atingir a saída, quando, pela primeira vez , ouviu a voz do padre. Era uma voz poderosa, educada. Como ela ressoou então pela catedral pronta a recebê-la! Não eram os fiéis que o padre chamava, as palavras eram inequívocas e não admitiam subterfúgios, o padre chamara: Josef K!
(...)
_ És Josef K_ disse o padre , levantando a mão por cima do parapeito num gesto vago.
_ Sim_ volveu K...
_ És acusado...

Franz Kafka, O Processo

Nossa Senhora de Týn

Praga 2010

K. sentia-se um pouco desamparado à medida que, talvez observado pelo padre, avançava sozinho por entre os bancos vazios; as dimensões da catedral pareciam-lhe estar precisamente na fronteira do que era suportável pelo homem.

Franz Kafka, O Processo

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Leituras cruzadas

Para falar tem de se começar a falar. Em geral é pelo mesmo. Há uma urgência em saber o nome e a ocupação da pessoa que pela primeira vez encontramos porque se tem pavor do indefinido. Como se se ficasse a saber alguma coisa.

Pedro Paixão, Imagens proibidas

Zur Minute

Praga 2010

As primeiras recordações explícitas de Kafka estão associadas à Casa do Minuto. Aqui passou parte da infância e os primórdios da adolescência. São deste período as memórias relatadas a Milena e algumas entradas nos Diários, nomeadamente o episódio da mulher pedinte e as impressões causadas por uma certa cozinheira impiedosa que o conduzia à escola e que lhe chamava "Pequeno Ravachol". Relatos reveladores de uma extrema sensibilidade e de uma precoce preocupação pelo "comportamento adequado".

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

A cidade de Josef K.

Praga 2010

Praga exerce sobre Kafka um enorme poder simbólico: existencialmente enclausurante nega-lhe, ao mesmo tempo, os seus segredos e a participação. A segregação acontece no interior do círculo.
Com Josef K., acusado e culpado, rastejamos na cidade e obrigamo-nos a um registo sensorial pouco usual, donde emerge a ambígua relação entre a cidade real e a cidade imaginada: a que construiu e formou Kafka na confluência da cultura germânica e judaica, por um lado, e a que informa a literatura do autor, saída do sentimento de rejeição e inadaptação, por outro.
É a Praga literária, ficcionada, sombra de sombras, a paixão que mais consome Kafka. Não é uma cidade, é uma fissura..., dirá ao seu amigo Gustav Janouch.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

sexta-feira, 30 de julho de 2010

quinta-feira, 29 de julho de 2010

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Segue-me à Capela - Oração das Almas

Seguindo as "Segue-me à capela"

Museu Nacional Machado de Castro, Coimbra 2010

Ler Kafka à beira-mar e depois... no seu lugar natural

"Estar sentado num vagão de trem, esquecer disso e viver como se estivesse em casa. Mas de repente lembrar de onde se está, sentir a força do trem que nos transporta, transformar-se em viajante, tirar da mala um boné, tratar o companheiro de viagem com mais liberdade, deixar-se levar até a nossa meta sem esforço, sentir isso tudo como uma criança, tornar-se o favorito das mulheres, sentir-se incessantemente atraído pela janela, colocar ao menos uma das mãos no peitoril. A mesma situação, mais precisamente delineada: esquecer que se esqueceu, transformar-se num instante em uma criança que viaja sozinha num trem expresso, e em redor de quem o vagão, fremente de impaciência, se materializa em pormenores fascinantes, como se surgisse das mãos de um mágico."

Kafka, Diários de Viagem

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Fuga e um cigarro

Todos os erros humanos resultam da impaciência, uma ruptura precoce do metódico, um aparente bloqueio das coisas aparentes.

Franz Kafka

segunda-feira, 19 de julho de 2010

LEO FERRE' Avec le temps

Léo Ferré musicou poemas de Baudelaire, Verlaine, Rimbaud. Ele próprio, compositor e poeta, escreveu a Canção "Avec le Temps". Eram assim os anarchistes e os soixante-huitards... Nostálgico mas belíssimo para um bom início de semana.

A imperfeição refina o detalhe

No entardecer dos dias de Verão, às vezes,
Ainda que não haja brisa nenhuma, parece
Que passa, um momento, uma leve brisa...
Mas as árvores permanecem imóveis
Em todas as folhas das suas folhas
E os nossos sentidos tiveram uma ilusão,
Tiveram a ilusão do que lhes agradaria...


Mas graças a Deus que há imperfeição no mundo

porque a imperfeição é uma cousa
(...)
Se não houvesse imperfeição, havia uma cousa a menos,
E deve haver muita cousa
Para termos muito que ver e ouvir...



Alberto Caeiro

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Somos doentes do tempo

As sociedades humanas actuais sofrem de uma disfunção relativamente ao tempo. Precisam de projectar-se no futuro para sobreviver e prosperar. E cada vez mais falta-lhes um projecto aliado a uma projecção. À tirania do imediatismo que serve de desculpa ao"depois de mim, o dilúvio" dos príncipes, alia-se a tirania da urgência. Já não conseguimos projectar-nos numa perspectiva de longo prazo. Deste ponto de vista, a urgência é "um modo de destruição do tempo, uma negação activa da utopia". O tempo parece abolido pelo instante que se esgota em autocombustão!
Para ultrapassar esta "miopia temporal", aquela que tanto nos impede de (pre)ver ao longe o futuro, como de assumir a tradição do passado, há uma ética a praticar, aqui e agora , para que mais tarde possa haver um aqui e agora. Se não agirmos a tempo, as gerações futuras não terão sequer tempo de agir (para usar uma expressão de Federico Mayor, ficarão prisioneiras de processos incontroláveis, como a assimetria demográfica, a degradação ambiental global, as disparidades norte-sul, o apartheid social, a vitória do comportamento mafioso, bem como da Grande Ilusão que é o triunfo da democracia burocrática.
O Futuro é-nos confiado como uma "herança de família", mas muito frágil e perecível. A responsabilidade ética deste novo paradigma, de que sem saber fazemos parte, consiste em passar esse património a um Outro que ainda nem sequer conhecemos!

Isto é o que ocorre dizer sobre a ética do futuro de Federico Mayor, um texto escrito em 1997 e absolutamente actual!

terça-feira, 13 de julho de 2010

As casas*

Oh as casas as casas as casas
as casas nascem vivem e morrem
Enquanto vivas distinguem-se umas das outras
distinguem-se designadamente pelo cheiro
variam até de sala pra sala
As casas que eu fazia em pequeno
onde estarei eu hoje em pequeno?
Onde estarei aliás eu dos versos daqui a pouco?
Terei eu casa onde reter tudo isto
ou serei sempre somente esta instabilidade?
As casas essas parecem estáveis
mas são tão frágeis as pobres casas
Oh as casas as casas as casas
mudas testemunhas da vida
elas morrem não só ao ser demolidas
Elas morrem com a morte das pessoas
As casas de fora olham-nos pelas janelas
Não sabem nada de casas os construtores
os senhorios os procuradores
Os ricos vivem nos seus palácios
mas a casa dos pobres é todo o mundo
os pobres sim têm o conhecimento das casas
os pobres esses conhecem tudo
Eu amei as casas os recantos das casas
Visitei casas apalpei casas
Só as casas explicam que exista
uma palavra como intimidade
Sem casas não haveria ruas
as ruas onde passamos pelos outros
mas passamos principalmente por nós
Na casa nasci e hei-de morrer
na casa sofri convivi amei
na casa atravessei as estações
Respirei – ó vida simples problema de respiração
Oh as casas as casas as casas

Ruy Belo


* Serve o presente post para corrigir um erro de autoria

sexta-feira, 9 de julho de 2010

O que se ouve por aí...

Anónimo, numa esplanada:

"Eu não minto! ...apenas ajudo a realidade a configurar-se aos meus interesses."

Os trabalhos e os dias

Um ofício que fosse de intensidade e calma
e de um fulgor feliz E que durasse
com a densidade ardente e contemporâneo
de quem está no elemento aceso e é a estatura
da água num corpo de alegria E que fosse fundo
o fervor de ser a metamorfose da matéria
que já não se separa da incessante busca
que se identifica com a concavidade originária
que nos faz andar e estar de pé
expostos sempre à única face do mundo
...


António Ramos Rosa,Um ofício que fosse de intensidade e calma

terça-feira, 6 de julho de 2010

Árvores do Alentejo

Serpa 2009

Horas mortas... Curvada aos pés do Monte
A planície é um brasido e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a benção duma fonte!
...
Florbela Espanca

Wishful thinking

Coimbra 2010

terça-feira, 29 de junho de 2010

Método experimental

Observo com atenção um fragmento do teu rosto. Digo, dois vincos com que o tempo te prolongou o olhar. Escrevo, dois rios navegáveis até ao infinito. Penso, no embalo de Ricardo Reis, prefiro Barcos, minha amiga, às Rosas.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Visitando obras

Horas europeias, produtoras, entaladas
Entre maquinismos e afazeres úteis!
Grandes cidades paradas nos cafés,
Nos cafés - oásis de inutilidades ruidosas
Onde se cristalizam e se precipitam
Os rumores e os gestos do Útil
E as rodas, e as rodas-dentadas e as chumaceiras do Progressivo!
Nova Minerva sem-alma...

Álvaro de Campos, Ode Triunfal

sábado, 19 de junho de 2010

Coimbra 2010

Impossíveis crianças deixais-me brincar?
Ruy Belo

Autobiografia lúcida

A grandeza (da vida) que eu lhe encontro é exactamente essa: uma criança no meio do mundo. Tire-lhe a paisagem, essa palavra não interessa. Uma criança no meio do mundo olhando em redor e dizendo: "Estou aqui."

José Saramago, em entrevista a Adelino Gomes (Público)

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Wall 4

Coimbra 2010

terça-feira, 15 de junho de 2010

Vera Mantero e os objectos

Foto: Escola da Noite
Da dupla vida dos objectos ou as novas condições da contemporaneidade
Capazes de evocarem as maiores desconfianças ou de reificarem memórias, de nos fazerem viajar sobre o multiculturalismo do Outro ou de nos fazerem ceder à manipulação da Invisibilidade de Múltiplas Mãos, os objectos serão reais ou simulacros? terão os objectos uma vida dupla? "...e já agora, com o que é que se parece uma vida que vale a pena ser vivida? "(*)

Perguntas, que fertilizadas pelo discurso poético de Herberto Helder e pela sociologia da pós-modernidade, espero continuar a formular depois do espectáculo de Vera Mantero & Guests em cena , hoje, no Teatro da Cerca de S. Bernardo / Escola da Noite.

(*) Vera Mantero

segunda-feira, 14 de junho de 2010

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Arte de inventar os personagens

Pomo-nos bem de pé com os braços muito abertos
e olhos fitos na linha do horizonte
Depois chamamo-los docemente pelos seus nomes
e os personagens aparecem.

Mário Cesariny, Manual de Prestidigitação

Tempo e Modo I - Pretérito do Indicativo

Pretérito mais-que-perfeito simples

terça-feira, 8 de junho de 2010

Do instante

Eu sei que um sorriso é uma centelha Poderosa tão capaz de incendiar um silêncio como de incinerar todas as palavras.
Eu sei que o teu sorriso viaja pelo mundo, sobrevoa os frutos da Terra, mas habita frequente e teimosamente a breve nação de uma Suavíssima lembrança.
Eu sei que seria preciso regressar a essa Pátria para ouvir O quase-riso com que te vestes de ti mesmo. Mas que o exílio é o preço a pagar pela pregnância do futuro.
Eu sei que não se fixa um sorriso numa fotografia, porque ela não mostra como, então, deixas tombar os ombros, como inclinas a cabeça para trás e como com esse gesto todo o mundo se inclina um pouco para trás, também. Como todos os móveis e objectos sólidos da sala se começam a movimentar e como se levanta uma brisa que vira de súbito a página do livro que se encontra sobre a mesa.
Eu sei que durante cinco segundos, no fim dos braços, duas mãos Sem medo ficam suspensas no vazio. E são as minhas.
Eu sei que, emigrante de mim-mesma, balbucio uma banalidade fugaz e semicerro os olhos para não percebas que eles se estão a transformar em dois Espelhos perigosos.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Literatura improvável


Mercadillo 2010

Apenas ontem, e já é passado.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

quinta-feira, 27 de maio de 2010

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Carlos Santana

Ontem ...no Pavilhão Atlântico

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Mundo

No mundo onde existem peixes e animais sólidos e altos como os grandes mamíferos, onde existem animais, como a borboleta, que parecem papel e não organismo, no mundo onde existem asas de cores diversas e cauda que se eleva ligeiramente para deixar espaço para os excrementos, no mundo onde o inesperado chega mais aos ricos que aos pobres, no mundo em que metade das coisas visíveis são cruéis e a outra metade é delicada por estratégia, no mundo tão vaidoso das suas cidades como da montanha que exibe na fotografia, no mundo soberbo e caridoso na forma como não mija demasiado sobre os que perderam, neste mundo, neste alegre mundo, como ocupará um poeta a sua manhã?

Gonçalo M. Tavares, 1

Mercado

Penela 2010