terça-feira, 26 de janeiro de 2010

O Senhor Proust encontra o Senhor Joyce

Cada um habita um cume de solidão erguido palavra a palavra para qualquer outro inalcançável. Nenhuma vida se deixa fixar de modo inequívoco e inevitável já que a todo o momento muda de ponto de vista e o que vem altera consigo o passado. Mesmo as fotografias mentem, quanto mais dois espíritos alvoroçados.

Pedro Paixão, O Mundo É Tudo o Que Acontece

Lucidez

...a lucidez é só uma lente que a luz atravessa para melhor me queimar.

Pedro Paixão, Ele
Os livros padecem de quem lê, que perdeu a capacidade de os provar; de os estimular, de os tornar fáceis sendo difíceis para o seu gosto anterior que não se desenvolveu para a flor da metamorfose; se a maior parte dos livros fossem sentimentos, seriam sentimentos mortalmente tristes, e as suas origens estariam desesperançadas.

Maria Gabriela Llansol, Os Cantores de Leitura

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

(...)
Ah, a frescura das manhãs em que se chega,
E a palidez das manhãs em que se parte,
Quando as nossas entranhas se arrepanham
E uma vaga sensação parecida com um medo
– O medo ancestral de se afastar e partir,
O misterioso receio ancestral à Chegada e ao Novo –
Encolhe-nos a pele e agonia-nos,
E todo o nosso corpo angustiado sente,
Como se fosse a nossa alma,
Uma inexplicável vontade de poder sentir isto doutra maneira:
Uma saudade a qualquer coisa.
Uma perturbação de afeições a que vaga pátria?
A que costa? a que navio? a que cais?
Que se adoece em nós o pensamento,
E só fica um grande vácuo dentro de nós,
Uma oca saciedade de minutos marítimos,
E uma ansiedade vaga que seria tédio ou dor
Se soubesse como sê-lo...
(...)
Álvaro de Campos, Ode Marítima

sábado, 16 de janeiro de 2010

Chove. Há silêncio

Chove. Há silêncio, porque a mesma chuva
Não faz ruído senão com sossego.
Chove. O céu dorme. Quando a alma é viúva
Do que não sabe, o sentimento é cego.
Chove. Meu ser (quem sou) renego...

Tão calma é a chuva que se solta no ar
(Nem parece de nuvens) que parece
Que não é chuva, mas um sussurrar
Que de si mesmo, ao sussurrar, se esquece.
Chove. Nada apetece...

Não paira vento, não há céu que eu sinta.
Chove longínqua e indistintamente,
Como uma coisa certa que nos minta,
Como um grande desejo que nos mente.
Chove. Nada em mim sente...

Fernando Pessoa, Cancioneiro

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

(...)
Para dizer
Queria palavras tão reais como chamas
E tão precárias
Palavras que vivessem só o tempo de dizer a sua parte
No discurso de fogo
Logo extintas na combustão das próximas

Alexandre O'Neill, Animais Doentes

Utilidade Pública e Memória Colectiva

Biblioteca Digital Mundial da UNESCO

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Alice is trendy II

Alice de Tim Burton

domingo, 10 de janeiro de 2010

Alice is trendy I


Viagem

(...)
O silêncio conduz-nos à sua infinita fronteira
mas o ócio iluminado pode vogar na casa
como se estivéssemos entre palmeiras e araucárias
toda a viagem é um regresso ao ponto de partida
para partir de novo entre a água e o vento.

António Ramos Rosa, Deambulações Oblíquas

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Vida...

Às vezes passam-se horas que parecem ser eternas, outras vezes são os dias que se engolem de um só trago. E assim se vai vivendo entre a certeza e o risco, em equilíbrio imperfeito sobre um fio de prata finíssimo, quais bailarinas que seguem malabaristas, trapezistas, acrobatas…

Bordam-se margens de angústia, atafulham-se os armários com passados imperfeitos e nos jardins movediços semeiam-se sonhos, deslumbres…

De Sericaia, de manhãs nebulosas, dos filósofos de desejos amansados, dos Munchs desesperados, de ousadias gritadas, e também de cobardias, se urdem dias rendados que se usam disfarçados, sob golas de casacos iguais aos de toda a gente.

Atiramos pedras ao charco. Atingimos um amigo. Choramos perdas e danos. Rendemo-nos a um destino.


E também... numa humana simetria, com direito a regra de ouro, Sherazades face a face, dedilham histórias e histórias feitas de respostas fatais a perguntas graciosas.

Isto é o que fazemos na vida, essa mesma bem vivída, errante mas não errada.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Just before diet II

SERICAIA
Serpa, 2009

Just before diet I

TEACAKE
Coimbra, 2010

domingo, 3 de janeiro de 2010

eu quero um mapa
sem nada
e uma estrela
dentro de água

João Monge, Prece III