segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Em defesa da cidade

É possível ver na cidade, com o mesmo olhar de Bataille, uma alegoria fúnebre: prédios, edifícios vários, monumentos, todos terrivelmente vazios, à espera de serem habitados…Mas é também possível admitir que muitos de nós se revêem e se encontram nas labirínticas e imensuráveis babilónias, onde o espaço, sempre provisório e reconstruído, é cada vez mais identificado pelo comportamento dos utilizadores e, cada vez menos, por uma qualquer descodificação de planos.
A cidade que eu habito não é dos políticos e dos urbanistas que tomam decisões sobre ela… é minha. É de todos os que a usam e, de uma forma muito particular, dos boémios, dos dandies, dos sem-abrigo, dos que se demoram a regressar a casa, de todos aqueles que lhe reconhecem os recantos sob várias luzes, lhe descobrem as fissuras, os contrastes, as descontinuidades, a segmentação. Lhe desvendam a polissemia dos sentidos e a polifonia das linguagens.
Walter Benjamin acreditava que o progresso faria desaparecer aquele que mais ludicamente usa a cidade: o flâneur. Como Hessel, eu não creio que tal seja possível! Há-os em todas as cidades, basta reconhecer-lhes o olhar e o andar: o flâneur é um fotógrafo, mesmo sem câmara, é aquele, que entre nós, regista imagens, ideias, sentimentos, atitudes, é aquele para quem a rua é um lar, um refúgio, onde nada de mal pode acontecer, é aquele para quem as fachadas das casas são olhos solitários que observam os passantes, olhos onde todo um mundo se aconchega. Flâneurs são os nativos de uma cidade que um dia decidem olhar para ela como se fossem estrangeiros, exploradores, viajantes… que, misturando-se com a multidão anónima , escrevem percursos porque… só na cidade “ os corpos passeiam como movimentos de escrita”!

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