quinta-feira, 31 de dezembro de 2009
Almanaque Boémio - Janeiro 2010
Hannah e Martin
O que pode ter unido Hannah Arendt e Martin Heidegger, uma pensadora judía e um filósofo que adere ao nazismo e que nesses "tempos difíceis" chega a denunciar colegas? A ética, a história e o amor equacionados primeiro em livro e, posteriormente, numa peça de teatro, já em cena na Sala Vermelha, do Teatro Aberto, em Lisboa, de 19 de Dezembro até 28 de Fevereiro.
terça-feira, 29 de dezembro de 2009
2010, um ano para Karen Blixen
A casa demolida
" ... casas que já não existiam. Casas que tinham sido demolidas de alto abaixo. Não sei se já disse que me refiro à única parede ainda existente (...) via-se do lado de dentro. Viam-se nos diversos andares paredes de quartos com papeis anda colados, aqui e além, o começo do soalho ou do tecto. Ao lado das paredes dos quartos, espalhava-se ao comprido um espaço branco e sujo, e através dele, coleava, em movimentos repelentes, de moleza de verme, como que digestivos, a canelura aberta, com manchas de ferrugem, do cano de esgoto.
(...)
Mas o mais inesquecível eram as próprias paredes. A vida rija destes quartos não se deixava esmagar. Ainda lá estava (...), podia-se ver na tinta que tinha alterado ano após ano: o azul em verde bolorento, o verde em cinzento e o amarelo num branco velho e rançoso, a apodrecer. Mas estava também nos sítios mais frescos que se tinham conservado por trás dos espelhos, quadros e armários(...), estava em cada tira arrancada, nas bolhas húmidas do bordo inferior do papel, oscilava nos farrapos arrancados e transpirava ainda nas manchas sórdidas que existiam há muito. E destas paredes (...) emanava o ar dessas vidas, o ar obstinado, indolente e bafiento que nenhum vento varrera ainda.
Lá estavam os meios dias, as doenças e a exalações, o fumo dos anos e o suor que irrompe das axilas e faz os vestidos pesados, o hálito morno das bocas e o cheiro fermentado dos pés. Lá estava o acre da urina , o ardor da fuligem, o cheiro pardacento a batatas e o fedor pesado e viscoso do pingo rançoso. O cheiro doce e longo dos bebés, o cheiro a medo dos meninos de escola e o bafio das camas dos rapazes púberes. E viera-se juntar muito dos odores dos ventos domésticos, fracos e mansos, que ficam sempre na mesma rua. (...) É deste muro que continuo a falar(...) eu tê-lo-ia reconhecido (sempre)(...): tudo isto está em casa dentro de mim".
Rainer Maria Rilke, Os Cadernos de Malte Laurids Brigge
(...)
Mas o mais inesquecível eram as próprias paredes. A vida rija destes quartos não se deixava esmagar. Ainda lá estava (...), podia-se ver na tinta que tinha alterado ano após ano: o azul em verde bolorento, o verde em cinzento e o amarelo num branco velho e rançoso, a apodrecer. Mas estava também nos sítios mais frescos que se tinham conservado por trás dos espelhos, quadros e armários(...), estava em cada tira arrancada, nas bolhas húmidas do bordo inferior do papel, oscilava nos farrapos arrancados e transpirava ainda nas manchas sórdidas que existiam há muito. E destas paredes (...) emanava o ar dessas vidas, o ar obstinado, indolente e bafiento que nenhum vento varrera ainda.
Lá estavam os meios dias, as doenças e a exalações, o fumo dos anos e o suor que irrompe das axilas e faz os vestidos pesados, o hálito morno das bocas e o cheiro fermentado dos pés. Lá estava o acre da urina , o ardor da fuligem, o cheiro pardacento a batatas e o fedor pesado e viscoso do pingo rançoso. O cheiro doce e longo dos bebés, o cheiro a medo dos meninos de escola e o bafio das camas dos rapazes púberes. E viera-se juntar muito dos odores dos ventos domésticos, fracos e mansos, que ficam sempre na mesma rua. (...) É deste muro que continuo a falar(...) eu tê-lo-ia reconhecido (sempre)(...): tudo isto está em casa dentro de mim".
Rainer Maria Rilke, Os Cadernos de Malte Laurids Brigge
domingo, 27 de dezembro de 2009
Balanço II
Lugares tantos, tão poucos...
Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.
[...]
Álvaro de Campos, Passagem das Horas
Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.
[...]
Álvaro de Campos, Passagem das Horas
sexta-feira, 25 de dezembro de 2009
Balanço I
Obra poética completa de:
Alexandre O’Neill
António Machado
Federico García Lorca
Luiz Pacheco
Mário Cesariny
Natália Correia
Otavio Paz
Pablo Neruda
Sylvia Plath
Valter Hugo Mãe
Alexandre O’Neill
António Machado
Federico García Lorca
Luiz Pacheco
Mário Cesariny
Natália Correia
Otavio Paz
Pablo Neruda
Sylvia Plath
Valter Hugo Mãe
quarta-feira, 23 de dezembro de 2009
Natal Universal
Talvez seja Natal e não Dezembro,
Talvez universal a consoada.
David Mourão-Ferreira, Cancioneiro do Natal
terça-feira, 22 de dezembro de 2009
segunda-feira, 21 de dezembro de 2009
Smile
... não sei porque deixo que me ouças as intenções. Hei-de habituar-me a pensar em muitas coisas ao mesmo tempo, e de forma tão ruidosa, que não consigas ouvir coisa nenhuma :)
terça-feira, 15 de dezembro de 2009
domingo, 13 de dezembro de 2009
Anjo da História
Paul Klee, Angelus Novus
"Há um quadro de Klee que se chama Angelus Novus. Representa um anjo que parece querer afastar-se de algo que ele encara fixamente. Os seus olhos estão escancarados, a sua boca dilatada e as suas asas abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. O seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa aos nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se nas suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade impele-o irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos progresso."
Walter Benjamin
"Há um quadro de Klee que se chama Angelus Novus. Representa um anjo que parece querer afastar-se de algo que ele encara fixamente. Os seus olhos estão escancarados, a sua boca dilatada e as suas asas abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. O seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa aos nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se nas suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade impele-o irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos progresso."
Walter Benjamin
quinta-feira, 10 de dezembro de 2009
quarta-feira, 9 de dezembro de 2009
New York, I love you
terça-feira, 8 de dezembro de 2009
segunda-feira, 7 de dezembro de 2009
Vem do mais recôndito concerto
Uma íntima voz que me confunde.
Alguém em mim invade-me e desperto
Noutro ser que subtil em mim se infunde.
E sou eu todavia longe e perto
Buscando a luz que a unidade infunde
De contrários perfis.Só o deserto
De nenhum rosto achar-me me responde.
À sombra erma de uma razão longínqua
Narro-me e não me encontro. Que hora ubíqua
De mim brusca me rapta e em mim estou?
Una e fendida par a par me vergo
À saudade de mim e nada enxergo
Salvo o diverso ser de ser quem sou.
Natália Correia, Sonetos Românticos VI
Uma íntima voz que me confunde.
Alguém em mim invade-me e desperto
Noutro ser que subtil em mim se infunde.
E sou eu todavia longe e perto
Buscando a luz que a unidade infunde
De contrários perfis.Só o deserto
De nenhum rosto achar-me me responde.
À sombra erma de uma razão longínqua
Narro-me e não me encontro. Que hora ubíqua
De mim brusca me rapta e em mim estou?
Una e fendida par a par me vergo
À saudade de mim e nada enxergo
Salvo o diverso ser de ser quem sou.
Natália Correia, Sonetos Românticos VI
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
Absoluto sensível
É absolutamente necessário escutar o pulsar das Coisas Materiais:
o timbre límpido dos Cristais,
o Compasso das lenga-lengas pueris,
o choro único dos Imortais,
a Respiração urgente dos amantes,
o silêncio das tardes Estivais,
o marulhar das Árvores gigantes,
o ranger das Portas proibidas,
a cadência das Palavras lunares.
.........................................................
.........................................................
É absolutamente necessária a rendição à matéria das Coisas Essenciais.
o timbre límpido dos Cristais,
o Compasso das lenga-lengas pueris,
o choro único dos Imortais,
a Respiração urgente dos amantes,
o silêncio das tardes Estivais,
o marulhar das Árvores gigantes,
o ranger das Portas proibidas,
a cadência das Palavras lunares.
.........................................................
.........................................................
É absolutamente necessária a rendição à matéria das Coisas Essenciais.
segunda-feira, 30 de novembro de 2009
domingo, 29 de novembro de 2009
Quase
Quase é uma palavra notável. Todas as pessoas deviam ter por nome próprio quase: Eu sou quase, tu és quase, ele é quase, nós somos quase. Quase qualquer coisa que não chega a ser quase. Uma equação quase perfeita. Um número quase redondo que só existe dentro das nossas cabeças atadas por fios invencíveis. Fios de aço que amarram a loucura e a mantêm obediente. Não queiras ser mais. Podes chorar todas as lágrimas que te descem pela cara sulcando traços de temperatura variável. Continuam a surgir frases por escrever, amores inacabados.
Pedro Paixão, O Mundo é Tudo o Que Acontece
Pedro Paixão, O Mundo é Tudo o Que Acontece
sexta-feira, 27 de novembro de 2009
Serenamente
...mesmo no Meio do Mundo, esse lugar esperará por nós envolvido na cambraia das manhãs...
quarta-feira, 25 de novembro de 2009
ERRATA
Ontem referi , já não sei em que contexto, que vivia numa época de conquistas feministas consolidadas ... emendo a mão, há ainda muito a fazer nesse domínio: 26 mulheres mortas desde o início do ano (vítimas de violência doméstica), 104 queixas relativas a violência nos namoros exercida sobre mulheres.
Olhar Infinito
Os "nomes opacos " associam-se de imediato, no fluxo da minha consciência, a uma outra expressão, "olhares imperfeitos". Esta, por sua vez, acorda, à força de gritos, a memória remota de Nicolau de Cusa e a metáfora do Olhar Infinito.
Os nomes das coisas
Mas haverá uma idade em que serão esquecidos por completo
os grandes nomes opacos que hoje damos às coisas
Haverá
um acordar
Mário Cesariny, a antonin artaud
os grandes nomes opacos que hoje damos às coisas
Haverá
um acordar
Mário Cesariny, a antonin artaud
domingo, 22 de novembro de 2009
esta Casa tem cem anos e eu tenho cem anos com ela. Fundo-me com as paredes, com os retratos, com o soalho, com os móveis e as porcelanas. cumpro, através dela, um Indecifrável destino.
Universo absoluto e " Condição do Sonho" da minha razão Viajante.
nos Dias Impetuosos, subo pela espinal-medula das escadas até à Janela dos Devaneios, rasgo-a em dois, lanço o olhar no Indefinido, solto as asas e sobreVoo a cidade.
Universo absoluto e " Condição do Sonho" da minha razão Viajante.
nos Dias Impetuosos, subo pela espinal-medula das escadas até à Janela dos Devaneios, rasgo-a em dois, lanço o olhar no Indefinido, solto as asas e sobreVoo a cidade.
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
Heteronomia
Gracias a la vida
Câmara Clara brindou-nos ontem com Luis Sepúlveda, o mesmo é dizer, com a SERENIDADE dos Grandes Sonhadores que fazem das Palavras ACÇÕES _ele que sabe ter-se cruzado com "Magníficos Sonhadores", reconhecidos à distância por uma espécie de faro.
Adormeci comovida, ouvindo Mercedes Sosa, La Negra.
Adormeci comovida, ouvindo Mercedes Sosa, La Negra.
domingo, 15 de novembro de 2009
Cadernos Manuscritos, Livros de Horas
«Eu olhava por olhar, quero dizer – intensamente.»«O que sulca o ar é o desconhecido, privado do poder de fazer mal.»«Estou atenta às mutações da luz _________ como se fossem pérolas. Abriu, desce, muda, nunca se oculta mudando de lugar, pois sigo a sua trajectória de planta a planta. Cada planta está aqui no seu lugar exacto, na sua flor exacta – e bebe água exactamente.»«______ esse mundo alinhado que está por detrás da beleza – perturba-me infinitamente...»«Uma mão escrevendo é como a árvore dourada que vimos ontem à beira da estrada...»«Decorrido o fluxo da noite – e já amanhece – sinto com a mão a madressilva que plantei junto ao muro exterior da casa, e que mil vezes há-de morrer sem que, de facto, morra, enquanto estas páginas forem vivas...»«O meu corpo conflui de lugares longínquos..."
Maria Gabriela Llansol
Llansol viverá enquanto estes cadernos forem vivos.
Maria Gabriela Llansol
Llansol viverá enquanto estes cadernos forem vivos.
sábado, 14 de novembro de 2009
sexta-feira, 13 de novembro de 2009
Todo um Mundo para ser ingerido ao luar
Vou para o Mundo, para os olhares sem fronteira, para os espaços abertos, para a brandura do Vagar...
O Sono
Mas o que me interessa aqui é o mistério específico do sono saboreado por si mesmo, o incontrolável e arriscado mergulho a que se aventura todas as noites o homem nu, só e desarmado, num oceano onde tudo é novo: cores, densidades, o próprio ritmo da respiração, e onde reencontramos os mortos. O que nos tranquiliza no sono é a certeza de que dele retornamos, e retornamos os mesmos, já que uma estranha interdição nos impede de trazer connosco o resíduo exacto dos nossos sonhos.
Marguerite Yourcenar
Marguerite Yourcenar
quinta-feira, 12 de novembro de 2009
Cansaço
(...)
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Por que não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Por que me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço
Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida...
António Ramos Rosa, Funcionário Cansado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Por que não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Por que me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço
Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida...
António Ramos Rosa, Funcionário Cansado
quarta-feira, 11 de novembro de 2009
terça-feira, 10 de novembro de 2009
Little people
E se uma cidade fosse subitamente povoada por gente muito pequena
http://little-people.blogspot.com
http://little-people.blogspot.com
sexta-feira, 6 de novembro de 2009
quinta-feira, 5 de novembro de 2009
domingo, 1 de novembro de 2009
quarta-feira, 28 de outubro de 2009
A tua alma é a Casa Grande, virada a sul. A minha Consciência habita-te, de tempos a tempos, no quarto das visitas. Nessas ocasiões, encontramo-nos , na Salinha dos Quinze Anos e sentamo-nos no chão. Abrimos juntos a Caixa dos Medos, folheamos o Livro das Palavras Prodigiosas e olhamos o Caleidoscópio dos Deslumbramentos. Quando finalmente adormeces, velo-te o sono até que passe a Hora Terrível. A hora em que a Noite se suspende de Vida, sem vultos, nem sussurros. A hora que só os lúcidos insones sabem existir.
Ao chegar oficialmente a madrugada, visto e abotoo meticulosamente o Casaco Que Mimetiza Multidões, saio para a cidade, e são os uns e os outros de cada dia, o transito e o aroma do café da Esquina de Sempre.
Deixo a porta no trinco.
Ao chegar oficialmente a madrugada, visto e abotoo meticulosamente o Casaco Que Mimetiza Multidões, saio para a cidade, e são os uns e os outros de cada dia, o transito e o aroma do café da Esquina de Sempre.
Deixo a porta no trinco.
terça-feira, 20 de outubro de 2009
Ode à Paz
Pela verdade, pelo riso, pela luz, pela beleza,
Pelas aves que voam no olhar de uma criança,
Pela limpeza do vento, pelos actos de pureza,
Pela alegria, pelo vinho, pela música, pela dança,
Pela branda melodia do rumor dos regatos,
Pelo fulgor do estio, pelo azul do claro dia,
Pelas flores que esmaltam os campos, pelo sossego dos pastos,
Pela exactidão das rosas, pela Sabedoria,
Pelas pérolas que gotejam dos olhos dos amantes,
Pelos prodígios que são verdadeiros nos sonhos,
Pelo amor, pela liberdade, pelas coisas radiantes,
Pelos aromas maduros de suaves outonos,
Pela futura manhã dos grandes transparentes,
Pelas entranhas maternas e fecundas da terra,
Pelas lágrimas das mães a quem nuvens sangrentas
Arrebatam os filhos para a torpeza da guerra,
Eu te conjuro ó paz, eu te invoco ó benigna,
Ó Santa, ó talismã contra a indústria feroz.
Com tuas mãos que abatem as bandeiras da ira,
Com o teu esconjuro da bomba e do algoz,
Abre as portas da História,
deixa passar a Vida!
Natália Correia, Inéditos
Pelas aves que voam no olhar de uma criança,
Pela limpeza do vento, pelos actos de pureza,
Pela alegria, pelo vinho, pela música, pela dança,
Pela branda melodia do rumor dos regatos,
Pelo fulgor do estio, pelo azul do claro dia,
Pelas flores que esmaltam os campos, pelo sossego dos pastos,
Pela exactidão das rosas, pela Sabedoria,
Pelas pérolas que gotejam dos olhos dos amantes,
Pelos prodígios que são verdadeiros nos sonhos,
Pelo amor, pela liberdade, pelas coisas radiantes,
Pelos aromas maduros de suaves outonos,
Pela futura manhã dos grandes transparentes,
Pelas entranhas maternas e fecundas da terra,
Pelas lágrimas das mães a quem nuvens sangrentas
Arrebatam os filhos para a torpeza da guerra,
Eu te conjuro ó paz, eu te invoco ó benigna,
Ó Santa, ó talismã contra a indústria feroz.
Com tuas mãos que abatem as bandeiras da ira,
Com o teu esconjuro da bomba e do algoz,
Abre as portas da História,
deixa passar a Vida!
Natália Correia, Inéditos
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